domingo, 5 de setembro de 2010

Só as vezes

As vezes brinco de palhaço, pra você rir do que não conhece.
As vezes dou o meu melhor, pra você se surpreender.
As vezes te ignoro, pra você ver que não me apetece tanto.
As vezes sou teu, só as vezes.
Então percebo que eu não me pertenço. Eu não tenho o direito da primeira pessoa do singular.
Eu brinca de palhaço, eu dá o melhor, ignora, eu, mas só as vezes.
Como quando se exercita fisicamente e se bebe água gelada. Por mais devagar que se beba a água, que a sinta passar pelos lábios lentamente, tocar a língua, chegar na beira da garganta, ela se perde. Como quando se engole. Aquela cambalhota, indescrítivel, assustadora, inteligível! A água se perde, em si, em mim e até mesmo eu, palco principal do ato, não sei descrever.
Aí eu desespero, por um minuto, coloco as mãos no rosto e o calor que sai delas me faz rir.
Passo os dedos na sombrancelha e sinto o que não sinto todo dia: Meu corpo também não me pertence. Talvez nem a água que eu beba me pertença.
Passa-se o impulso e você me pertence. Isto porque eu quero, quero agora, antes que eu desista.
Durmo pra me abster de mim, abster-me de ti.
Então sonho que tudo é uma questão de escolha, sem verbo ter, sem verbo pertencer.
Quando brinco de ser teu é porquê já te tenho, mas só as vezes.